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A ilusão do papel perfeito: Quando a holding esconde a doação e expõe o contribuinte

11 de agosto de 2025
Migalhas

1. Quando o papel aceita tudo

Este artigo não pretende dissecar os requisitos de validade do negócio jurídico previstos no art. 104 do CC. O foco é outro: analisar os limites das operações societárias que impactam o ponto mais sensível para qualquer ente federativo arrecadador - a tributação.

Até onde essas operações se sustentam? Até onde são realmente viáveis? Quais as bases capazes de resistir a futuras fiscalizações?

A provocação parte do recente programa da Secretaria de Estado da Fazenda do Rio Grande do Sul - SEFAZ/RS, que incentiva contribuintes a regularizarem o ITCD - Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos em planejamentos sucessórios considerados irregulares. O objetivo deste artigo não é defender contribuinte ou fisco, mas entender a lógica de tais operações, que, ao final, precisam de propósito negocial claro e validação legal.

 

2. Atos societários: transferência de quotas e seus reflexos tributários

Os atos societários registrados nas juntas comerciais são, em essência, negócios jurídicos entre sócios, e que se tornam públicos com o registro. Nas sociedades limitadas, por exemplo, tratam de transferência de participações societárias, cujo objeto é a passagem de quotas - bens pessoais de um sócio - para outro sócio ou para um terceiro que ingressa na sociedade.

Por se tratar de uma transferência de bens, ela pode ocorrer de forma onerosa ou não onerosa:

Não onerosa: caracteriza fato gerador do ITCMD - Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, cabendo ao donatário (contribuinte) realizar o recolhimento, salvo nas hipóteses de isenção previstas na legislação estadual, em razão do valor do bem doado.

Onerosa: pode gerar incidência de imposto de renda sobre ganho de capital para o sócio vendedor, com alíquotas previstas no art. 21 da lei 8.981/1995.

Dessa forma, a alteração contratual registrada é um "papel bondoso" que aceita tudo. Mas a operação em si deve ter substância, respaldo jurídico e propósito negocial.

 

3. O caso da SEFAZ/RS e a "holding 3 células"

A iniciativa da SEFAZ/RS buscou coibir planejamentos sucessórios considerados abusivos, estruturados via modelo conhecido como "holding 3 células". Na prática, o esquema costuma seguir este roteiro:

 

1ª célula: Holding imobiliária

Pais criam uma holding patrimonial (natureza imobiliária), integralizando o capital social com os imóveis da família.

 

2ª célula: Holding empresarial

Cria-se uma segunda holding, de natureza empresarial, na qual os pais integralizam as quotas que possuem na holding imobiliária.

O capital social da holding empresarial é formado com valor baixo, sendo parte destinada à conta capital social e parte à conta reserva de capital - gerando o chamado ágio na subscrição.

O ponto de atenção é que, segundo o art. 520 do decreto 9.580/18 (Regulamento do IR), essa operação só é isenta de IRPJ e CSLL para sociedades anônimas de lucro real. Se for sociedade limitada, há incidência tributária, que pode chegar a 34%.

 

3ª célula: Holding para sucessão

Cria-se uma terceira holding pelos pais, também empresarial, geralmente com capital social baixo integralizado em dinheiro. Em seguida, faz-se a doação de quotas para os filhos (muitas vezes com reserva de usufruto), pagando ITCMD sobre a transmissão não onerosa.

Até aqui, não há ilegalidade aparente. Mas é no passo seguinte que mora o problema.

 

4. Onde o castelo desmorona

Após a doação das quotas da terceira holding aos filhos, esta sociedade - com recursos em caixa - compra as quotas que os pais detêm na segunda holding empresarial, a um valor muito abaixo do valor real.

E aqui surge a questão central: qual o valor de negociação dessas quotas?

O valor nominal (constante no contrato social) não é parâmetro para refletir o verdadeiro valor econômico.

O valor patrimonial, calculado com base nos ativos contabilizados, também nem sempre é parâmetro suficiente.

O que efetivamente importa, inclusive para a Receita Estadual e Federal, é o valor de mercado (valor de venda, isto é, o valor venal).

Quando uma quota tem valor nominal de R$ 1,00 e valor de mercado de R$ 10,00, vendê-la por um preço vil equivale a mascarar uma doação, encobrindo o verdadeiro intuito da operação.

Ninguém vende um apartamento de luxo por R$ 50 mil sem outra intenção. Isso é simulação.

 

5. Simulação e o limite do planejamento

O art. 167 do CC é claro:

"É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma."

No exemplo da "holding 3 células", a compra subavaliada das quotas é um indício de que, na realidade, se pretendia doar o patrimônio, e não vender.

O papel digital registrado na junta comercial, por mais perfeito que pareça, não blindará um negócio sem propósito negocial verdadeiro.

 

6. Conclusão: nem tudo que é possível é sustentável

Planejamentos societários são ferramentas legítimas quando usados com inteligência, transparência e propósito econômico real. Mas quando utilizados apenas para reduzir tributos sem lógica negocial, abrem caminho para autuações, desconsiderações e alegações de simulação (art. 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional).

A SEFAZ/RS, com o programa de autorregularização do ITCD, deixou claro que está atenta a essas manobras. O recado é simples: o papel aceita tudo, mas a realidade não.

Quem estrutura holdings ou reorganizações societárias precisa entender que a viabilidade dessas operações não se mede apenas pelo contrato social ou pela alteração contratual registrada, mas pela substância econômica e pela capacidade de resistir à lupa da fiscalização.

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